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O PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO E O PROPOSITO NEGOCIAL

14 de julho de 2016 publicado por Buratto Sociedade de Advogados
Alan de Oliveira Silva Shilinkert
Em virtude do “panamá papers” várias pessoas públicas foram atacadas pela publicação em participação em offshore,o artigo apresenta a necessidade de estruturação do planejamento tributário e a necessidade do proposto negocial. O mundo foi surpreendido recentemente pela abertura de informações contidas no chamado “Panamá papers” onde fora anunciado ao conhecimento de todos o envolvimento de pessoas públicas os quais estavam envolvidas em operações nos chamados “paraísos fiscais” por meio de participações em “OffShore”. Tais operações possuem como desígnio a diminuição do impacto tributário abarcado pela legislação vigente do país de domicilio por meio de (i) elisão fiscal, forma licita e legalista de realizar a redução fiscal, neste caso abrangido pelo planejamento tributário, (ii) evasão fiscal o qual nesta seara há o descumprimento da norma jurídica tributária enfatizando uma infração tributária e por fim, (iii) a elusão fiscal a qual remete um maior cuidado no aprofundamento jurídico já que precede a necessidade do chamado “proposito negocial” questão que exibe conflito com o direito privado já que negócios jurídicos lícitos podem ser desconstituídos. Dentre as pessoas públicas envolvidas, despertaram maior atenção os primeiros ministros da Islândia (Sigmundur David Gunnlaugsson) e da Inglaterra (David Cameron) os quais tiveram que prestar contas em vossos países por possuírem participações societárias em “OffShore” o que resultou na renúncia do mandato do primeiro ministro da Islândia. Ambos não apresentaram na declaração do Imposto de Renda em seus respectivos países a participação societária, o que ficou demonstrado implicitamente o desejo de “burlar” a legislação tributária afim de dirimir o impacto tributário, já que ter participação societária em “offshore” não representa por si só nenhuma ilicitude. Este desejo de pessoas públicas de estado os quais utilizam como palanque político a moralidade e a busca infindável de recursos por meio de tributação para alavancar receitas para o Estado e em contrapartida na esfera pessoal utiliza de negócios jurídicos lícitos com fito único de reduzir o impacto tributário de seu patrimônio apresenta-se evidente contradição que não se coteja com a pratica política e o dever civil e chama atenção para questões atinentes aos apaixonados pelo direito tributário principalmente no que tange a desconstituição de negócios jurídicos quando este possui proposito único para a redução tributária. Trazendo esta realidade que se encontra nos noticiários, provindo destes critérios deverá o aplicador do direito analisar o “animus” do contribuinte, afim de identificar juridicamente o contribuinte que ao elaborar o planejamento tributário o fez com o intuito único de se valer de vantagem fiscal, o que poderia ser caracterizado simulação ou dissimulação situação que apresentaria condições para sua desconstituição por norma positivada contida no artigo 116 parágrafo único do CTN. Apesar das garantias fundamentais assegurados pelo ato jurídico perfeito, tal condição torna-se relativa quando antevê uma proposta com o intuito doloso de ferir os cofres públicos, já que não é difícil identificar empresas que possuem condições financeiras apta a arcar com o encargo fiscal, reputado seu tamanho e condições econômicas, utilizar de meios jurídicos para alcançar unicamente a redução fiscal, o que neste caso fere princípios como o da capacidade contributiva e da solidariedade. O princípio da capacidade contributiva pela vontade constitucional é tributar com maior relevância àqueles que produzem maiores riquezas e que por sua vez possuem maior condição de arcar com o impacto tributário trazendo maior equidade social. Já o princípio da solidariedade se posiciona de forma genérica e impinge sobre toda a legislação tributária e possui o desígnio de que todos os contribuintes devem contribuir para os cofres públicos atuando em consonância com o princípio da capacidade contributiva e o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular. Assim, não há consequências para a realização da elisão fiscal, como já apresentamos, principalmente quando vem pautada de uma oportunidade de benefício empresarial e de acordo com as normas jurídicas vigentes a questão se volta quando existem práticas empresarias realizadas não habituais com a finalidade de economia tributária, tais práticas se não forem realizadas de forma estrutural por meio de um planejamento tributário poderão ser passiveis de fiscalização com emissão de autos de infrações deixando o contribuinte vulnerável. A legislação vigente possui hipóteses jurídicas tributárias que prescrevem tais condutas, as chamadas normas jurídicas antielisivas. Uma destas normas antielisivas é a Lei Complementar n º 104/2001 onde foi acrescentado o parágrafo único do artigo 116 do CTN: Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos: (…) Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária. Diante do dispositivo inúmero são as discussões acerca da sua constitucionalidade por patente desrespeito ao princípio da legalidade, por imputar a administração pública possibilidade de desconstituir negócio jurídico realizado em âmbito privado por meio de norma jurídica válida ferindo de forma patente o princípio da livre iniciativa. Ainda, trazendo aos ditames da obrigação tributária, o credito tributário oriundo da aplicação da norma antielisiva não possui respaldo jurídico para sua constituição já que a “ regra matriz” do referido tributo seria a própria aplicação da norma antielisiva trazendo um descompasso com a norma jurídica constitucional vigente pela utilização de legislação subsidiária ou até mesmo análoga para aplicação. O professo Hugo de Brito Machado demonstra com o seu costumeiro esclarecimento tal situação jurídica: “ Boa parte da doutrina considera tal norma inócua, ou inconstitucional. Inócua, se entendida como mera autorização para atos praticados com fraude ou simulação seja desconsiderados. Isso porque a desconsideração, nesses casos, já vinha sendo feita pelas autoridades, e admitida pela jurisprudência, sendo alias autorizada pelo próprio Direito Privado. Inconstitucional, se entendida como autorização para que fatos ilícitos e perfeitamente válidos, mesmo à luz de outros ramos do Direito, sejam “ desconsiderados apenas para fins tributários”. Haveria, nesse caso, ofensa ao princípio da legalidade, pois através da norma antielisão a autoridade poderia tributar fatos não previstos em lei como “ geradores” do tributo. Em outras palavras, a norma antielisão estaria a autorizar a autoridade fiscal a tributar por analogia: aplicar a lei tributária a fatos não previstos em lei, mas fatos “ parecidos” com aqueles já previstos, na medida em que produzem os mesmos efeitos econômicos (cf. Hugo de Brito Machado, comentários ao Código Tributário Nacional, São Paulo, Atlas, 2004, v.2. p. 36; Sacha Calmon Navarro Coelho, Curso de Direito Tributário Brasileiro, 9ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006 p. 680 e ss) De entendimento contrário, há juristas que sustentam a possibilidade constitucional de aplicação da norma jurídica antielisiva com base no princípio da capacidade contributiva já que a empresa ao realizar a elisão fiscal sem proposito negocial, reduz a carga tributária, deixando assim de alimentar os cofres públicos, situação que não corresponde à sua capacidade econômica ferindo o princípio da capacidade contributiva. Em se tratando de princípios, vale aprofundar o tema e trazer a discussão outros princípios constitucionais que norteiam o planejamento tributário como o já citado princípio da legalidade o qual possui previsão nos artigos 5, II e 150, I e os princípios da livre concorrência e livre iniciativa pertencentes aos princípios da atividade econômica, prescrito no artigo 170 conforme segue: Art. 170- A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (…) IV – livre concorrência. Sendo assim, os três princípios possuem respaldo na constituição federal e desta forma, possuem posicionamento superior na hierarquia normativa já que regulam as demais normas jurídicas. Entretanto, mesmo estando tais princípios na carta Magna, analiso que os princípios que visam direitos e garantias fundamentais do cidadão, previstas no artigo 5º da CF possuem uma posição de maior colocação em sua aplicação jurídica. Tal fenômeno jurídico pode ser compensado com a aplicação jurídica do princípio do sopesamento que visa utilizar de forma equilibrada os institutos constitucionais que abarcam a questão, tal peculiaridade foi comentada pelo professor Terceio Sampaio no que tange a quebra de sigilo bancário: “Tudo isso mostra, em síntese, que, quando a Constituição garante a inviolabilidade do sigilo, o princípio do sopesamento exige que o intérprete saiba distinguir entre o devassamento que fere o direito à privacidade, no seu objeto, em relação com outros objetos de outros direitos até, também protegidos pelo sigilo. Mostra também que o sigilo bancário, embora tenha a ver com privacidade, não conhece uma subsunção imediata na Constituição, embora esta, tendo em vista â inviolabilidade do direito à privacidade, exija do legislador a máxima cautela com a publicidade das relações privadas. (FERRAZ, Tércio Sampaio Ferraz Junior, texto extraído do site http://www.terciosampaioferrazjr.com.br/?q=/publicacoes-cientificas/98) Sendo assim, independente da previsão no âmbito tributário previsto no artigo, 150,I, a CF já tinha tal observação da necessidade de respeitar o princípio da legalidade com garantia fundamental (artigo 5, II da CF), bem como em se tratando de garantia individual fundamental o ato jurídico perfeito (art. 5º XXXVI), ao negócios jurídicos realizados em âmbito privado, aplica-se o princípio do sopesamento como efeito em outros princípios constitucionais que se aplicam ao caso concreto. Desta forma, cabe ao judiciário regular eventuais distorções em planejamento tributário, não a administração tributária com base em princípios implícitos já que para tal desconsideração há necessidade de comprovação de abuso de direito o que somente poderá ser configurado com a demonstração jurídica de simulação ou dissimulação o que de forma administrativa não pode ser possível tal analise em respeitos ao direitos e garantias fundamentais bem como ao princípio da legalidade. Neste entendimento vale destacar o comentário do professor Paulo Ayres Barreto: “Entendemos que, se houver ofensa à capacidade contributiva, deve o judiciário declarar sua inconstitucionalidade. Se a lei em vigor propiciar a elisão tributária diante de fatos que revelam a mesma capacidade contributiva de outros devidamente tributados, que o legislativo promova as alterações que entender pertinentes. Enquanto remanescerem um e outro, não resta outra alternativa ao exercente da função administrativa senão a aplicação da lei de oficio. Nosso ordenamento jurídico não permite que, em ato administrativo de aplicação do direito, se vá além do limite legalmente estabelecido, mesmo com eventual respaldo nos valores positivados pelo magno princípio da capacidade contributiva que, como vimos, não tem, isoladamente, eficácia prescritiva que autorize a tributação diante de manifestação de tal capacidade, não prescrita legislativamente. (BARRETO, Paulo Ayres, Cadernos de Direito Tributário, p. 53) Pelo elucidado podemos concluir que a ideia de planejamento tributário se dá pela possibilidade de economia fiscal, para isto o contribuinte se utiliza de meios lícitos para alcançar esta economia, acobertados pelo manto constitucional do princípio da livre iniciativa artigo 170 da CF bem como o ato jurídico perfeito, este incluído como garantia fundamental ( art. 5° LXVIII da CF). Nesta esteira também decorremos acerca da necessidade e também imposição constitucional quanto ao alcance do princípio da capacidade contributiva em consonância com o princípio da supremacia do interesse público ao particular e de forma mais genérica já que calçado no direito tributário como um todo vem o princípio da solidariedade. Desta forma, vem cada vez mais ganhando entendimento por parte da administração tributária, principalmente jungido do artigo 116 parágrafo único do CTN, a possibilidade em desqualificar ou requalificar os negócios jurídicos constituídos no direito privado para fins de alcance das normas jurídicas tributárias, utilizando-se como fundamento os princípios apresentados, qual seja o da capacidade contributiva, bem como o da solidariedade Sendo assim, para a possibilidade do contribuinte realizar um planejamento tributário à luz do entendimento da administração tributária, deverá conter um “propósito negocial”, ou seja, o contribuinte ao se fazer valer de economia fiscal por meio de atos jurídicos realizados, precisam deixar evidenciada que tal negócio realizado não fora concretizado com o intuito único de economia fiscal, mas sim para expansão ou melhor enquadramento de mercado dos negócios da empresa contribuinte. Neste aspecto, a legislação tributária pátria buscou o entendimento da corte norte americana (business purpose test) ao julgar um famoso caso envolvendo Gregory x Helring de 1935 onde foram realizado atos jurídicos de alienações de ações entre empresas, para a alienação de ações, para tanto forma abertas nova empresa e posteriormente dissolvida já que tinha um propósito único de utilização para fins de economia tributária, sendo atribuída pela empresa contribuinte como “ reestruturação societária”. Tal entendimento da corte americana se deu pelo entendimento que tal reestruturação societária buscou o intuito único de economia fiscal, escapando da tributação que incidente relativo a tais alienações. Entretanto, apesar de incessantes buscas no direito pátrio no que concerne ao alcance dos princípios da capacidade contributiva, bem como da solidariedade fiscal, a referida decisão não foi pautada por tais princípios, e sim, buscou-se uma solução dentro do próprio ordenamento jurídico por meio de normas positivas e não como princípios apresentamos de forma isolada. Neste aspecto, interessante abordado pelo ilustre doutor e professor Charles William Macnaughton: “ Portanto, tenhamos que a substance over form doctrine, business purpose doctrine e step transactions doctrine, conforme construídas pela Suprema Corte Norte Americana, não estão relacionadas, imediatamente, a uma noção de “ solidariedade fiscal”, “ isonomia” ou “ capacidade contributiva”, ou muito menos um “ dever instrumental de pagar tributos”. Elas buscam amparo na lei, isto é, resultam de uma postulada aplicação do sentido semântico da norma tributária específica sobre certa operação. Nessa toada, substance over form doctrine, business purpose doctrine e step transactions doctrine não são modos de “coibir a elisão”. São mais do que isso. Consistem na aplicação de normas tributárias conforme requisitos estabelecidos por essas mesmas normas. Tenhamos inicialmente, a substance over form doctrine , que foi sendo construída no início do século XX pela Suprema Corte Norte-Americana. Os fundamentos da referida Corte, para a constituição desta teoria, como se nota no famoso precedente Gregory x Helvering, datada de 1935, é atingir a finalidade da “lei” e revelar “ verdadeiros fatos” envolvidos na transação.”(MCNAUGHTON, Charles Willian, Elisão e Norma Antielisiva, Completabilidade e Sistema Tributário, p. 401) Desta forma, levando em consideração tais critérios é admitido a considerar que a expressão “ planejamento” já não possui o mesmo sentido semântico abarcado pela necessidade de “ propósito negocial”, ou seja, de uma forma extrema é possível admitir a impossibilidade de planejar para redução fiscal, e sim a contrário senso, tal redução somente viria a partir de um negócio realizado para fins outros que acarretaria em uma redução fiscal ou seja de uma forma involuntária. Sendo assim, segundo a doutrina, há necessidade de analisar o alcance da administração tributária em dois aspectos, (i) o primeiro a implica na possibilidade de utilização de normas oriundas do direito civil, como o abuso de direito, para fins de requalificar ou desqualificar negócio jurídico realizado, o que demonstra por si só uma dificuldade de enquadramento posto que não é ilícito o contribuinte querer pagar menos impostos e a estruturação para tal finalidade fora realizado por meios de atos jurídicos lícitos eivados de garantia constitucional. (ii) outro aspecto é a aplicação de forma isolada de princípios implícitos como o da solidariedade, já que este como de entendimento mais genérico para a sua aplicação é necessário a consonância como demais princípios inseridos em nosso ordenamento jurídico principalmente no que tange à matéria tributária. Neste aspecto mais uma vez vale tecer Importante o comentário do professor Paulo Ayres Brito: “ O segundo problema decorre da fundamentação legal para a sua conclusão: o princípio da solidariedade social. Com efeito, a invocação desse nobre princípio – de forma isolada – soluciona qualquer dificuldade em se legitimar a pretensão fazendária. Se o associarmos à supremacia do interesse público sobre o privado, teremos neste aspecto normativo necessário para a legitimação de qualquer arbítrio em matéria tributária. O princípio da solidariedade social, sobre não ter esse alcance pretendido, não constitui o único conteúdo normativo inserto no Texto Constitucional. Diversamente, sofre as contenções de outros princípios e regras constitucionalmente previstas. Como vimos, há uma série de comandos constitucionais que atuam no sentido de circunscrever os limites para que a percussão tributária se estabeleça, tais como a legalidade, capacidade contributiva (legalmente prevista), segurança jurídica, certeza do direito, limitação do exercício da competência mediante fixação de conceitos determinados, cláusulas imunitórias, entre outros”. (BARRETO, Paulo Ayres, Cadernos de Direito Tributário, p. 56) Desta forma, podemos admitir que a expressão “ propósito negocial” possui o condão de coibir não a elisão fiscal, mas sim atos cometidos pelo contribuinte com finalidade única de redução de tributos, o que neste caso não irá possuir respaldo na lei como bem apresenta o professor Charles William Mcnaughton citando o professor Heleno Taveira Torres como entendimento do que venha a ser propósito negocial: “ Propósito negocial é o conjunto de razões de caráter econômico, comercial, societário ou financeiro,que justifica a adoção dos atos e negócios jurídicos, não sendo lícito aos contribuintes praticar atos desprovidos de qualquer utilidade a não ser proporcionar a esquiva ao recolhimento de tributo que, em sua prática, seriam devidos.” (MCNAUGHTON, Charles Willian, Elisão e Norma Antielisiva, Completabilidade e Sistema Tributário, p. 433) Utilizando o conceito do renomado professor, podemos ter uma ideia clara que para fins tributários, há necessidade da operação realizada por empresa contribuinte esteja eivada de negócios com propósitos extratributário, sendo de forma involuntária como consequência da operação a redução, caso contrário, tal condição de “ planejamento tributário” realizado estará a margem da lei sendo possível por meio da administração tributária requalificar ou desqualificar ato jurídico realizado.

Autor: Alan de Oliveira Silva Shilinkert
Advogado, especialista em Direito Tributário pela PUC/SP, membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) sócio do escritório Buratto e Shilinkert Sociedade de Advogados