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Meus pais, minhas mães, meus RG’s! A filiação sócio-afetiva deve ter limites?

29 de abril de 2016 publicado por Buratto Sociedade de Advogados

Por Luciano Buratto: Não se nega as profundas alterações e diga-se, evoluções, nas definições e conceitos experimentadas pelo Direito de Família, cuja tendência, dada dinâmica social, é de que, cada vez mais, hajam novas formas de compreender o termo “família” e as relações que dele derivam. Ao reconhecer a paternidade (ou maternidade) sócio-afetiva, atribui-se ao “filho de coração” o direito a um pai ou uma mãe em seu registro civil (como todos os efeitos jurídicos derivados) cuja relação de filiação, não advém da consanguinidade ou adoção, mas sim, do sentimento de afeto recíproco entre ambos, quiçá o maior valor jurídico a ser considerado. 

Assim a inclusão do nome do pai ou mãe sócio-afetivo no registro civil, é uma consequência inevitável, pois, se o filho sócio-afetivo gozará de todos os direitos do filho consanguíneo ou adotado, não haveria porque negar-lhe o direito de exibir tal filiação em seus documentos.

Conquanto compreendemos com benéfica a relação sócio-afetiva, ao nosso sentir, casos como abaixo relatado na matéria, nos fazem pensar se é necessário haver um limite para a inclusão de pais sócio-afetivos no registro do filho, evitando assim, que o “RG” ou qualquer outro documento de identificação assemelhe-se a uma lista de chamada.

Isso porque, não obstante haja previsão legal de padronização dos documentos de identificação civil, como RG, passaporte, OAB, que precisarão serem revistos para abrigarem mais do que 2 nomes no campo “filiação”, o que é apenas questão técnica (de difícil solução prática), o que mais nos chama a atenção na aceitação ilimitada de paternidades sócio-afetiva, é a possibilidade de ao longo da vida,  serem criadas e extintas diversas dessas relações. Pois, ao contrário do que ocorre com a filiação consanguíneo, onde biologicamente, só há um pai e uma mãe para cada ser humano, as relações sócio-afetivas não encontram barreiras, logo, podem ser criadas a qualquer tempo. Alguém diria aqui: Não é bem assim, deve haver provas robustas desse sentimento, desse afeto paternal. Evidente que sim, mas alguém nega que esse sentimentos sofrem mutações ao longo do tempo? O fato é que inexiste limitação para o sentimento afetivo humano, e se assim o é, não há como negar que ao contrário da biológica, podem ser construídas mais de uma relação paternal sócio-afetiva.

Novamente sob o aspecto prático, a pluralidade de filiações, consanguíneas e sócio-afetivas, com a agregação dos nomes patronímicos (sobrenome) podem trazer entraves ao Estado, cujo registro civil lhe serve, na medida que há um interesse estatal em que cada pessoa seja identificada e individualizada na sociedade, logo, haveria uma dificuldade maior quanto a essa identificação, seja na esfera criminal, fiscal, comercial, entre outras, pois, partindo desse ponto de vista, haveria uma constante alteração dos registros pessoais e consequentemente dos cadastros dessa pessoa. 

Por uma questão de equilíbrio, se há possibilidade de criação de filiação sócio-afetiva, fundada no forte e indiscutível afeto recíproco, há de se admitir também a possibilidade de extinção desse sentimento, e conseguinte rompimento do afeto, com efeitos sempre nefastos aos envolvidos (basta ver em regra como se comportam os casais com o fim da relação conjugal) de modo que a exclusão da filiação no registro civil deve ser perfeitamente admitida (o que somente ocorre em raríssimas exceções com a filiação biológica). Ademais, a não exclusão da filiação sócio-afetiva certamente desembocará em novas discussões no momento da morte daquele que um dia foi “pai ou mãe de coração”, mas em determinado momento, não quis ou não pode mais sê-lo.

Diante disso, seria o caso de limitar a filiação sócio afetiva? Seria o caso da mais nova relação, excluir a anterior?

 

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Jovem terá os nomes dos pais biológico e socioafetivo anotados em seu registro civil

Uma adolescente que reside no litoral catarinense obteve judicialmente o direito de retificar seu registro civil para que nele passe a constar, além do sobrenome do seu pai socioafetivo, também o de seu genitor biológico, assim reconhecido após realização de exame de DNA. A juíza Cristina Paul Cunha Bogo, lotada na Vara da Família, Órfãos e Sucessões da comarca de Balneário Camboriú, admitiu a composição baseada no princípio da chamada multiparentalidade.

“(Ela surgiu para) compatibilizar, de um lado, o rigor da lei e, de outro, o dinamismo da sociedade moderna, viabilizando com isso a anotação dos nomes dos pais biológico e socioafetivo no assento registral do filho”, explicou a magistrada no corpo da sentença, que também homologou acordo entre as partes para que o pai biológico passe a destinar 70% do salário mínimo em benefício da filha, a título de pensão alimentícia, e possa usufruir de visitas livres à descendente – a guarda permanecerá com a mãe da garota.

Em termos registrais, a decisão determinou a manutenção do nome do padrasto da menina no registro público, como pai socioafetivo, bem como a inclusão do nome do pai biológico, de maneira que doravante constarão as duas filiações. A adolescente passará a ser chamada por seu nome acompanhado dos sobrenomes do padrasto e do requerido. A magistrada fez questão de ressaltar que a decisão envolve uma situação de excepcionalidade, que exige a presença de realidade fática segura e verdadeiramente experimentada pelos interessados, com notórios benefícios para a jovem.

Os autos revelam que a menina possui fortes vínculos socioafetivos com seu padrasto, que é também genitor de seus irmãos, e vínculo biológico com outra pessoa, pela qual passou a demonstrar grande curiosidade em conhecer e assim saber de sua própria história e origem biológica. Para a Justiça, a dupla paternidade somente trará benefícios à demandante. “(Ela) contará com dois pais responsáveis, que igualmente não abrem mão de serem reconhecidos como seus pais nos assentos”, finalizou Cunha Bogo.

Fonte AASP: http://www.aasp.org.br/aasp/imprensa/clipping/cli_noticia.asp?idnot=21574